29/12/06

A NOITE ABRE MEUS OLHOS

Um poema de José Tolentino Mendonça. Padre e poeta, não necessariamente por esta ordem.
Um poema dedicado aos meus amigos.

Coisas tão felizes

Entre amigo e amigo
jamais se afastam
coisas tão felizes:
os instantâneos silêncios de certas formas
os protestos inocentes à nossa passagem
a natureza fortuita, dizia eu
imortal, dizias tu
do vento?

28/12/06

SAUDADES QUASE VEEMENTES

Um dos mais belos poemas de amor de toda a moderna poesia portuguesa. Especialmente dedicado ao Pedro Lamares e à Naná - a "CGD" no exílio, que este Sócrates não é de confiança.

POEMA

Alguma coisa onde tu parada
fosses depois das lágrimas uma ilha
e eu chegasse para dizer-te adeus
de repente na curva duma estrada

alguma coisa onde a tua mão
escrevesse cartas para chover
e eu partisse a fumar
e o fumo fosse para se ler

alguma coisa onde tu ao norte
beijasses nos olhos os navios
e eu rasgasse o teu retrato
para vê-lo passar na direcção dos rios

alguma coisa onde tu corresses
numa rua com portas para o mar
e eu morresse
para ouvir-te sonhar

(este poema é do António José Forte. Afinal os abjeccionistas também escreviam poemas de amor...)

27/12/06

natal



ficar pequenino no natal
perder a conta aos presentes
não aproveitar papéis nem laços
nunca mais
chegar à meia-noite

lembro outros tempos
nariz
fazem-me falta os
avós
cheira a canela

22/12/06

O QUE PODE FAZER UM HOMEM DESESPERADO QUANDO O AR É UM VÓMITO E NÓS SERES ABJECTOS?

Natal de 1964. Um notável texto do poeta abjeccionista ANTÓNIO JOSÉ FORTE.


Este ano a quadra festiva vai ser melhor do que nunca

no seu centro vai haver
um grande ramo de flores
que é por onde vão entrar
uns atrás dos outros de cabeça pra baixo
os rapazes de mais categoria das artes e das letras
uns atrás dos outros de mãos dadas
cantarolando com a boca cheia
e escorregando docemente escorregando
para debaixo da mesa
onde os espera Jesus
para introduzi-los na grande sala de recepção ao vómito

Quanto ao autor destes versos
aguardará um telefonema até ao último momento
mas à cautela e antes que seja tarde
já comprou um cachucho
que mandou fechar à chave no seu cofre-forte

21/12/06

jesus era um marinheiro

(...)
E Jesus era um marinheiro
quando caminhava sobre as águas
e muito tempo passou olhando
da sua solitária torre de madeira
e logo que teve a certeza
que só podia ser visto por naufragos
disse Todos os homens serão marinheiros
até que o mar os venha libertar
(...)

LEONARD COHEN "Suzanne"
(do album Songs of Love and Hate)
tradução de luis tobias

19/12/06

Quero ser como o Bruce Lee




Em noites de sono mais ou menos profundo sou a personagem central de uma história recorrente. Sonho que estou a conduzir um automóvel qualquer, numa cidade qualquer, barulhenta, e que estou a ficar nervosa porque a maioria dos outros condutores não se portam de forma civilizada. Entre buzinadelas nas filas de trânsito e o barulho dos autocarros repletos de gente, uma senhora de idade, muito linda, tenta atravessar a rua na passadeira da esquina. O automobilista que segue na minha frente, não só não pára a viatura para deixar a senhora passar, como carrega a fundo no acelerador e passa de raspão ao lado da velhinha, com tal velocidade, que o seu puxo grisalho se desfaz ao vento. A senhora só não cai para o lado, redonda, porque nem consegue aperceber-se ao certo do que acabou de lhe acontecer.

Para azar do condutor à minha frente e para sorte do Bruce Lee que há em mim, o semáforo do cruzamento seguinte está vermelho. A fila de trânsito pára. Abro a porta do meu carro com a serenidade dos justiceiros. Já não estou nervosa. Apenas feliz. O mau desta minha fita tem a janela do seu automóvel entreaberta. Pergunto-lhe: «Viu o que acabou de fazer com aquela senhora, na passadeira?» - «O raio da velha deveria era estar em casa e não andar por aí a chatear!», responde o homem aos gritos.

Com o gesto certeiro das artes marciais e com as vantagens directas de estar a sonhar e ter em mim o mestre Bruce, envio o braço pela janela e , com a mão, desfaço a cara do mau da fita contra o volante do seu automóvel. Depois, toda a rua está envolvida. Uns gritam contra o homem, outros a favor. Depois, outro condutor começa a agredir-me verbalmente. Depois, há seis homens maus amigos do mau da fita que querem ajustar contas comigo. Está sol e o céu está azul. Acordo na altura em que, ao flectir as pernas, estabilizando o peso, e ao colocar os braços na posição de defesa, me imagino o Bruce Lee a tratar daquele assunto.

Levanto-me satisfeita e entro no duche. «Que bom que era se eu, realmente, pudesse dar algumas lições a um ou dois palermas que bem estão a precisar...», penso. Desde os filmes do Bruce Lee que não perco uma fita de artes marciais.

15/12/06


(fotografia de Luís Tobias)

Confesso-vos: eu adoro a Sandra Salomé. Este poema é para ela.

Carlos Eurico da Costa, por mim:

Neste dia meu amor
os meus dedos são o candelabro que te ilumina
o único existente.

E o homem
sua esfera perdida em mãos alheias
é o objecto de malabarismo
o insecto
voltejando cega a luz que lhe irradiam
o límpido cristal corrompido
o defunto.

E este patíbulo onde o próprio carrasco se enforcará
eu o digo
será erguido como símbolo de todos os homens.


Aqui a hora vai sendo longínqua meu amor e solene.
O caminho é grande o tempo tão pouco
tenhamos muita esperança e muito ódio
e vítreas flores a ornar o teu cabelo
porque serei o homem para as transportar
e tu a última mulher que as aceitará.


E enquanto assim for
erguer-se-á a nuvem de múltiplas estrelas
a nebulosa
que dizem estar a milhões de anos-luz
mas não acreditemos bem o sabes
porque em verdade a temos em nossas próprias mãos
oculta para a contemplarmos agora.

14/12/06

DIOSPIROS

Este poema de Jorge Sousa Braga é dedicado à nossa princesa exilada na Lísbia, kapital do reino.

DIOSPIROS

Há frutos que é preciso
acariciar
com os dedos com
a língua

e só depois
muito depois

se deixam morder

inspiraçoes

quando ficas inspirado
então sabes que sempre
tiveste inspiração.


está bem, estou farto
desta inspiração toda--agora
vou ficar surdo outra vez--
o
sublime céu azul da manhã
através da arvore.


JACK KEROUAC
in Poemes All Sizes-(City Lights Books-San Francisco)

13/12/06

Onde estás?



...o prometido é devido...

Poeta do Porto II



Alô! Alô! por PAT (fototm)

VASCO GATO, OUTRA VEZ!

Um belo poema de Vasco Gato, que eu dedico, teclado à altura do coração, a todos os combatentes da Caixa Geral de Despojos. O Sonho triunfará!

Vasco Gato, assim:


Estás no meu pensamento como a flecha no flanco vivo da
presa.

Porque tu sabes que o homem é uma pirâmide onde dorme
um animal raro. Sabes que há uma aliança secreta entre a
carne e o violino de deus.

Que a morte embebeda.

12/12/06

Poeta do Porto



Gesta com flores e ventoínha por PAT

CESARINY, SEMPRE!

TODOS POR UM

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a ponto de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum

Mário Cesariny in "Nobilíssima Visão"

11/12/06

MALRAUX:

Cristo? O anarquista que foi bem sucedido. Foi o único.

09/12/06

CERTOS OUTROS SINAIS

navegamos por águas longe e pelo nevoeiro.A bordo do nosso navio
fantasma SOMOS O QUE SOMOS e ao nosso redor apenas o cha-
pinhar das águas misteriosamente calmas de encontro ao casco
nos impressiona e informa. Acreditamos que jamais o homem será
escravo enquanto houver um só POETA, isolado e ignorado que seja,
a reclamar a si mesmo a decisão ou indecisão magníficas.

ANTÓNIO MARIA LISBOA

08/12/06

FERNANDO PESSOA. NO SEU MELHOR, DIGA-SE

Trabalhemos ao menos, nós os novos, por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos em nós próprios a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa. Escrupulizemos no doentio e no dissolvente. E a nossa missão, a par de ser a mais civilizada e a mais moderna, será também a mais moral e a mais patriótica.
(Fernando Pessoa)

07/12/06

O GIRASSOL


«Não te surpreendas amigo se nada mais desejo.
Preciso do tempo todo para seguir o sol».


Angelus Silesius
in «A Religião do Girassol»
uma antologia organizada
por Jorge Sousa Braga

(fototm: pat)

UM PENSAMENTO DE KARL MARX, AQUELE SENHOR DAS BARBAS GRANDES

"Dado que não nos compete forjar um plano que sirva para todo o sempre, é evidente que o que temos de fazer, por agora, é uma avaliação crítica impiedosa a tudo... impiedosa no sentido de essa dita crítica não ter que temer nem os seus próprios resultados nem o conflito com os poderes estabelecidos"
(Karl Marx)

NOUS SOMMES MARXISTES, TENDENCE GROUCHO

"Peço a minha demissão de sócio deste clube, porque não posso ser sócio de um clube que me aceita como sócio."
(Groucho Marx)

06/12/06

Não habituado



Não habituado aos computadores.

O Corredor Interior




«O CORREDOR INTERIOR», romance de estreia de Daniel Maia-Pinto Rodrigues, será apresentado numa sessão a acontecer no próximo dia 22, às 21h30, no Clube Literário do Porto.

A apresentação estará a cargo da Profª Doutora Maria Helena Padrão e a sessão contará com leituras de excertos da obra nas vozes de Filomena Martins, João Paulo Pereira, Miguel Leitão e Paulo Monteiro.

De Daniel Maia-Pinto Rodrigues (membro CGD) podemos já encontrar no universo da escrita vários livros de poesia.

A não perder: «O afastamento está ali sentado» e «Malva 62» (Quasi Edições), «O diabo tranquilo» (Campo das Letras) ou «A sorte favorece os rapazes» (Cadernos do Campo Alegre).

(fototm: pat)

COM NUNO JÚDICE, ATÉ AO FIM.

Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.

(de "Pedro, Lembrando Inês"/Publicações Dom Quixote)

05/12/06

Armando e Gesta






As suas melhoras, amigo Armando Teixeira!!!
Se for necessário enviam-se reforços.

(fotostm: pat)

Mil Folhas



Sexta-feira, frente às igrejas do Carmo, tive a felicidade de encontrar estas mil palavras lindas sobre a linda cidade da linda Filipa. Já era tempo do Senhor Eduardo descobrir estas palavras. (Para mais : vão ao blogue da editora do livro - link ao lado - n'a deriva das palavras)

3 poemas de Marguerite Yourcenar traduzidos por Mário Cesariny

RESPOSTAS

- Que tens para consolar a cova,
coração insolente, coração incontido?
O fruto maduro pende e sossobra,
Que tens para consolar a cova?
-Tenho o tesouro de ter sido.

- Que tens para suportar a vida,
Coração doido, farto de pulsar?
Coração sem brilho e sem jaça,
Que tens para suportar a vida?
- Piedade de tudo o que passa.

- Que tens para desprezar o mundo,
Coração duro, fácil de quebrar,
Que tens para desprezar o mundo,
Que tens mais que nós, mais fundo?
- Capaz de me desprezar.


INTIMAÇÃO

A morte aproxima-se, corre,
Amigo, irmão, sombra, que importa?
A morte é a única porta
Para sair de onde tudo morre.


CANTILENA PARA UM TOCADOR DE FLAUTA CEGO

Flauta da noite que se cerra,
Presença líquida de um pranto,
Todos os silêncios da terra
São as pétalas do teu canto.

Espalha teu pólen na alfombra
Do catre que por fim te acoite
Mel de uma boca de sombra
Como um beijo na boca da noite

E pois que as escalas que cansas
Nos dizem que o dia acabou,
Faz-nos crêr que os céus dançam
Porque um cego cantou.

04/12/06

"A cidade líquida e outras texturas" de Filipa Leal. Um "eu" entre-parênteses.

Diga-se, antes de tudo, que é um objecto apetecível, que apetece levar para a cama e adormecer com ele, sobre ele, e ler outra vez e marcar e dobrar e estraçalhar.
Tem no seu interior uma fotografia bela da Mafalda Capela - a rima mais-que-perfeita.
A poesia da Filipa é radicalmente urbana e faz constantes alianças com a prosa. Dá atenção à língua e à própria dimensão social da vida quotidiana.
Digamos que o novo livro da Filipa Leal tem o quotidiano como ponto de partida mas, no momento seguinte, esse quotidiano é transfigurado, é ampliado, é transtornado.
Na escrita da Filipa as borbulhas são pontos de exclamação, os lábios são trampolins para o infinito, os olhos são archotes para comer a noite à traição, o suor é um rio que desagua e não desagua no mar da tranquilidade.
A escrita da Filipa molda-se à alma, é líquida, torrencial quase sempre, é forte - crava as garras certeiras na correnteza indomável da Vida. A escrita da Filipa não tem pé. Apanha-nos, muitas vezes, com a boca na Vida.
A escrita da Filipa é viciante. São três linhas psicotrópicas, imaculadamente brancas, de Poesia: a cidade líquida; nós, a cidade; a cidade esquecida. Cheirem a primeira linha - não pararão mais até ao orgasmo, até à libertação final:

A solidão atravessa a praça, triunfal, ganha cor, ganha corpo, e invade-nos em todas as artérias. Só a Amor a pode deter. "Nós reduziremos a arte à sua expressão mais simples que é o amor" (Breton). Só a caneta da Filipa pode inverter o rumo inexorável da História - debruçada numa das varandas da cidade gritas para a multidão:
-"Estamos rodeados de emboscadas - tanto melhor".
Filipa: entro no teu poema como se fosse vírgula...

...

A Filipa Leal é já uma das vozes importantes da "novíssima" poesia portuguesa. Ao lado de Daniel Jonas, Ana Paula Inácio, Manuel de Freitas, Jorge Gomes Miranda, José Miguel Silva, Rui Coias e certos outros poetas.
Deixo-vos com um dos poemas do seu mais recente livro "A cidade líquida e outras texturas" (Editora DERIVA):

A CIDADE ESQUECIDA

Para o António.

Ela disse: Sou uma cidade esquecida.
Ele disse: Sou um rio.

Ficaram em silêncio à janela
cada um à sua janela
olhando a sua cidade, o seu rio.

Ela disse: Não sou exactamente uma cidade.
Uma cidade é diferente de uma cidade
esquecida.

Ele disse: Sou um rio exacto.

Agora na varanda
cada um na sua varanda
pedindo: Um pouco de ar entre nós.

Ela disse: Escrevo palavras nos muros que pensam em ti.
Ele disse: Eu corro.

De telefone preso entre o rosto e o ombro
para que ao menos se libertassem as mãos
cada um com as suas maos libertas.
Ela temeu o adeus,disse:Sou uma cidade esquecida.
Ele riu.

30/11/06

Mário Cesariny canta Alexandre O'Neill






Em cima: publicado em «A PHALA» (1988).
Em baixo: texto impresso, corrigido à mão pelo autor.

Vasco Gato

Ele é uma das vozes mais importantes dos "novíssimos".
Vai estar em Maio de 2007 nas "Quintas de Leitura" do TCA, no Porto.
Coisa rara. Põe poucas vezes a caneta de fora.
Escreve assim, em "A prisão e paixão de Egon Schiele":

49.
A minha cauda enrola-se lenta no teu silêncio.

45.
Estou mudo porque todas as palavras te escutam.

30.
O mar entre nós é uma ficção de escamas, um lindíssimo susto portuário

51.
A tua extinção é ainda um fogo.

17.
Estás no meu pensamento como a flecha no flanco vivo da presa.

Porque tu sabes que o homem é uma pirâmide onde dorme um animal raro. Sabes que há uma aliança secreta entre a carne e o violino de deus.

Que a morte embebeda.

++++

"Há gente com nomes que lhes caiem bem": Vasco Gasto

Para além da poesia


O desenho, o traço, a pintura.

(acima pormenor de uma obra de Mário Cesariny)

29/11/06

(II) BUREAU SURREALISTA ÍNDIO





Deliciem-se com este texto (quase) inédito de Cesariny,
enviado em 1991 a um dos elementos desta prestigiosa colectividade.
Com a benção da virgem de fátima, comuna.

Este registo faz parte de uma colecção de textos intitulados NOA-NOA. «Descendem dos papéis que, primeiramente impressos (desde 1975) foram descaíndo para o Rank-Xerox por não haver dinheiro (nem paciência) para mais».

Nota: clicar sobre cada uma das imagens para ler melhor.

28/11/06

Inédito e corrigido (I)

Em breve a CGD publicará aqui um inédito de Mário Cesariny
oferecido em tempos a um dos elementos da Caixa.
E também um Poema impresso corrigido pelo Autor com uma caneta.
Afinal Cesariny ainda anda por ai.

Mestre e discípulo

A Cesariny o que é de Cesariny

"Do Amor? Ah, com certeza.
Não sei se os artistas e os poetas não são um bocado, ou muito, ou sobretudo onanistas, sabes? Porque em vez de estar a cumprir o seu dever que é de meter cá a coisa no buraco, estão bá, bá, bá, bá, bá, e bá, bá todo o dia. E põem-se a escrever: "Alma minha...", a perder tempo.
Bom, podes dizer que isso é um prolongamento do amor. Agora, se eu acredito no amor, eu nunca acreditei muito na chamada alma gémea, porque a minha alma gémea tinha de ser muito diferente de mim, sabes? Porque de poesia e filosofia e literatura e outras merdas já eu estou cheio dos pés à cabeça."


In «Verso de Autografia», Assírio & Alvim, 2004
(E porque a Caixa Geral de Despojos esteve lá, no lançamento deste livro no Porto, para soletrar, pronuciar, dizer: Cesariny)

27/11/06

POEMA

Para o Mário Cesariny

Moveu-se o automóvel - mas não devia mover-se
não devia!

Ontem à meia-noite três relógios distintos bateram:
primeiro um, depois outro e outro:
o eco do primeiro, o eco do segundo, eu sou o eco
do terceiro

Eu sou a terceira meia-noite dos dias que começam

Pregões de varina sem peixe
- o peixe morreu ao sair da água
e assim já não é peixe

Assim como eu que vivo uma VIDA EXTREMA.

António Maria Lisboa

Procura

Procuro, folheando o blogue, por Daniel Jonas

«O orvalho da cidade fugiu todo
para os flancos de Susana;
daí que seja inútil
tentar encontrar o orvalho sem antes
encontrar Susana».

(...)

E, já agora, procuro Susana e penso como correu no Cairo, quente, excitante, apaixonante...

26/11/06


em memoria de MÁRIO CESARINY

26 de novembro de 2006

deus não sabe
que tenho dois peixes
nos olhos
um navio com marinheiros
e um mar pejado de velas

deus não sabe
que tanto o queria
conhecer
e agora ja posso

deus não sabe
que eu o vi ontem
ao fim da tarde
de uma janela velha
dependurado

deus não sabe
que logo à noite
irei silente e limpo
abrir a porta

mas deus sabe tudo
o que eu não sei
ele sabe
ele sabe
eu não

24/11/06

gosto dos dias
em veludo vestidos
dias em que me murmuras
pequenas gotas de orvalho
entre a morte e a mortalha

ESPERA

Horas, horas sem fim,
graves, profundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silência desapareça.

Eugénio de Andrade (As Mãos e os Frutos)

POEMA DE AMOR

Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que não
te coubesse no dedo

Jorge Sousa Braga

22/11/06

O corpo da página

"A poesia é um espaço que fica entre a filosofia e o corpo. É um pensamento sensorial."
Vera Mantero, Expresso, 28 Outubro 2006

A CGD por Luís Tobias




O conceito

Shots poéticos em várias tomas. Uma visão lúdica e dessacralizada da moderna poesia portuguesa.

Uma divulgação criteriosa dos nossos Poetas, que se estende desde os autores clássicos até às novas veias comunicantes.

Cruzar a Palavra com outras formas de expressão artística como a música, a performance, a dança e a imagem.