31/01/07

SIMPLEX


Isaque Ferreira indicando a João Gesta o caminho do Pilhão mais próximo.

O HOMEM QUE EXISTIU

I.
Havia uma íntima surpresa na palavra
do início. Por exemplo, a primeira palavra
mar - quem a teria escrito? E a primeira
palavra palavra - quem teria escrito
palavra pela primeira vez?
Eu buscava nas palavras já escritas a surpresa
do início do poema, e isso era triste
como brincar com coisas mortas.

II.
A melancolia é uma questão de tempo,
disse-me o homem. Era um homem que existia
- normal como os que existem. Daqueles que não
costumam vir nos poemas porque não
são centros de metáfora ou revolução. Porque não
gritam nada. Porque não dizem nunca.

Hoje sei.
A melancolia é uma questão de falta
de tempo.


Porto. 6 de Janeiro. 2007
Filipa Leal

30/01/07

O GESTA NÃO PODE VER O SÓCRATES NEM À LEI DOS BALLA



A caminho do Aleixo vão três artistóides aos trambolhões!!!

CONHECEDOR DE VENTOS



O Daniel vai regressar às Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre no dia 5 de Julho de 2007.

Vamos obrigá-lo a ler, na sessão, este poema:

A HISTÓRIA DO PASTOR

A seguir a história do pastor.
O pastor vivia em Goinge, floresta normanda.
Era filho dos senhores da Escânia
hoje conhecedores de ciências.
Aos vinte anos sabia já
distinguir as ervas
curava com esmero os golpes do gado.

Entretinha-se com o queixo.
E todos os arroios
o conheciam de sol a sol.

Aos vinte e seis anos
casou com Dourada, a rapariga débil.
Aos trinta
viu realizar-se um sonho antigo:
receber os primos no pátio.
Abriu então cervejas
fritou amêndoas
falou pela primeira vez de nostalgia.

Este poema é belo! Repito-me: o Daniel é uma das vozes mais importantes e mais originais da poesia dos anos 80.
A fotografia acima é do Luís Tobias.

24/01/07

Nascimento do Isaque

Nasci português. Fui enganado.

(Alexandre O'Neill)

23/01/07

A TUA CARA NÃO ME É ESTRANHA

Este poema de Helder Moura Pereira é dedicado à Mafalda Capela, o nosso reforço de inverno.

Sabes meu amor eu estou tolhido, eu fui colhido
pelos detalhes da tua indiferença activa.
Pertencesse ao operariado e diria fui comido
por me faltar uma ponta de inteligência viva.

Dançando no mar pareço são como um pêro
mas procuro antes uma tábua que me salve
ou mesmo um mortal monstro bivalve,
predador do meu humano desespero.

Cego passei por dois riscos e vi a morte
cruzar-se comigo e berrar numa buzina,
com o nariz encostado ao volante tive sorte
pois se não não te via de mangas arregaçadas na oficina.

Auto-retrato da artista



Marta Bernardes. Extraordinária. Para perder nunca.

18/01/07

NOTA À INTRODUÇÃO, segundo MÁRIO CESARINY

Este poema é dedicado ao nosso ilustre «membro»
Isaque Ferreira


NOTA À INTRODUÇÃO

Pinar só co'a cabeça
É protérrima noção
Ca Literatura começa
Ter em muita aceitação.

Entrada a tola entra tudo: taco
Tórax e veio.
Se não couber no buraco
Racha-se o buraco ao meio.

-Nem rachar será preciso:
Só rasgar um bocadinho.
Como na árvore, inciso,
O nome do passarinho.

(Mário Cesariny, pois claro.)

17/01/07

UM POEMA DELICIOSO DE JOSÉ MIGUEL SILVA

DIZIAS QUE GOSTAVAS

Dizias que gostavas de poemas.
Escrevi-te, numa tarde, mais de cinco.
São muito bonitos, disseste,
hei de mostrá-los ao meu namorado.
Nunca mais confiei nos versos
nem no gosto feminil.

(poema roubado do livro "Vista para um
pátio, seguido de Desordem")

16/01/07

A LUTA CONTINUA - SÓCRATES PARA A RUA!

Pouca gente conhece o Manuel Resende. Vive na Bélgica e é um grande poeta e um homem bom.
Em Maio de 1983 publicou um poema que era assim:

ALI NO MARULHAR DAS TARDES

Ali no marulhar das tardes barbitúricas
entre os pinheiros a seiva acre a trigestão
ali à beira ar a plenas pulsões
perpetrámos o silêncio lívido das tuas pernas
o vestido acrílico a caruma ácida o sustifruto
ali aprendemos as lições da subversidade
a subverciência

ali depois do atum de conserva
deste-me alegremente o meu corpo
ali um rio como um cão procurando um dono
a língua estendida pelo porto dentro
(dia pagão santificado
mar de línguas estendidas pelo teu corpo dentro)
teve enfim uma tarde de frutos
bebendo enfim o tempo que passou e o que não passou
o sexo flagrante e as suas agilidades

11/01/07

Que nao.Que nao sabes


Que não. Que não sabes,
dizes.Tambem
a água
não sabe,e nunca
diz não, e nunca
se desdiz.


texto:Albano Martins(palinódias e palimpsestos-campo das letras-Porto-2006)
foto:Luis Tobias

10/01/07

A NUVEM PRATEADA DAS PESSOAS GRAVES

Este livro foi prémio Daniel Faria 2005. O seu autor, Rui Costa, nasceu no Porto em 1972. É um grandessíssimo poeta, digo eu.
Ofereço-vos o seu poema

PROJECTO

Fernando comprou um livro de poesia com oitocentas páginas
mas só conseguiu ler quinhentas

António sonhou com o Evereste na magnitude
mas só precisava de mudar uma lâmpada

Rita imaginou um poema para Fernando
mas só tinha que aceitar o jantar de quinta

A lâmpada pensou que era um poema
e fundiu-se sem iluminar a sala

Luís aproveitou a escuridão da sala
para dizer a Rita um poema com montanhas

Trezentas páginas que nunca foram lidas
arquitectam com a lâmpada a salvação do mundo

Iniciação



Hoje, surfando um pouco, preparando o dia e reformatando a energia, eis que surge esta imagem do Júlio (Vanzeler) no meu monitor. Demorei uns cinco minutos a absorvê-la e a registá-la. Transferindo-me para ela, estou assim preparada para uma fase iniciática que preciso encetar. Aproximan-se dias duros. Lindos, de sol ou nevoeiro, mas muito apertados. Daqueles que só mesmo devidamente armada serei capaz de enfrentar. «Quantos são? ahhh?!».

02/01/07

O LADRAR É LITERATURA

Começamos o ano com um aforismo de Teixeira de Pascoaes, colhido por Mário Cesariny:

Poeta quer dizer Possesso. Não devemos confundir os artistas do verso com os criadores de Poesia. Os primeiros interessam apenas à Literatura, ao passo que os segundos têm um interesse vital e universal, como uma flor ou uma estrela.

01/01/07